Cozinha [R/c]

Olhei para trás, vendo Lynn entrar no quarto e fechar a porta e só aí é que voltei a olhar a rapariga. - Porque agora que entraste, não podes sair - disse-lhe afastando-me para ir abrir o frigorifico. - Eu disse-te para fugires - peguei num sumo e fiz-lhe uma sandes de queijo, já que não consegui em pensar em mais nada.

Andei à sua frente até à sua cozinha e assim que lá chegámos, encostei-me à ombreira da porta. Cada vez tinha mais a certeza de que não devia estar ali, cada vez tinha mais a certeza de que não devia ter aceite a ajuda daquela mulher. E mais uma vez, a culpa tinha sido de quem? Pois, sempre que estava metida em problemas, a culpa era dela. E para variar, agora estava calada. 
- Porque é que não posso sair? - já estava a falar demasiado e a fazer demasiadas perguntas, mas não conseguia perceber.- ela não manda em mim, nem sequer me conhece.- resmunguei, agarrando na sandes e dei-lhe várias trincas seguidas. Já não sabia o que era comer há três dias.

Suspirei impacientemente, sinceramente já estava farto de ouvir este tipo de perguntas, era sempre eu que dava as más notícias. - Agora manda - disse apenas e virei-me para ela, vendo a forma como comia. Juntei as sobrancelhas agarrando noutro pão, era melhor arranjar outra sandes. Virei-me de novo para o frigorifico retirando outra fatia de queijo e coloquei-o no pão voltando a dar-lhe. - Vai dormir, amanhã falas com ela.
-Ainda estás aí? - olhei para a porta vendo Carly com o seu corpete todo desajeitado.

Bebi o meu sumo de rajada assim que terminei de comer a minha sandes e olhei-o, fazendo uma careta. Estava decidido, eu não ia mesmo ficar nesta casa. Como é que era possível a mulher não me conhecer e querer prender-me ali? Para estar presa já chegava...arrepiei-me só de pensar e agarrei na sandes que ele me deu. Fiquei a olhar para ela e apesar da fome que ainda sentia, acabei por embrulhá-la no guardanapo e guardá-la no bolso do meu casaco. Era melhor poupar para mais tarde. Olhei para trás de repente quando ouvi uma voz diferente e arregalei os olhos ao ver mais uma daquelas raparigas.
- Eh lá, se eu fosse um rapaz, fazia coisas interessantes com ela.- Daph decidiu aparecer.- porque é que também não nos deram uma roupa daquelas? - resmungou.- era muito mais fácil conquistá-lo assim vestida.
- Porque é que ela tem aquela roupa? - perguntei baixinho, olhando para o rapaz. Eu estava a ficar cada vez mais confusa com tudo aquilo.

Fiz uma careta quando guardou a sandes que lhe tinha feito e abanei a cabeça percebendo o porquê. Ou ela estava convencida de que ia conseguir fugir, ou ia tentar fazê-lo. Desviei o olhar para Carly que ainda ali estava, ela só parecia notar agora que tinhamos mais uma "aquisição".
-Porque gosto não é decerteza - disse num tom seco. Ela nunca era agradável para as pessoas novas. Ninguém era. Encolhi os ombros quando ela saiu.
-Vai dormir enquanto podes. - tentei despacha-la antes que Lynn me viesse chatear a cabeça de novo.

Voltei a olhar para a rapariga quando ela falou comigo e encolhi-me ligeiramente, enfiando o meu carapuço. Eu não tinha perguntado por mal, mas aquele sítio estava a deixar-me assustada.
- Ui, tão simpática que até dói.- desta vez, até eu concordava com ela.- a sério que não lhe vais responder? - ela resmungou.- vais deixar que ela te fale dessa forma? - encolhi ligeiramente os ombros.- és tão entediante, credo.- Oh não.
- Ainda bem que não gostas, não te favorece mesmo nada.- merda, merda, merda. Os cantos dos meus lábios subiram, formando um sorriso cínico e o meu corpo rodou, fazendo-me virar-lhes as costas.

Fiquei à espera que ela fizesse o que eu lhe pedi mas só a ouvi responder a Carly. Arregalei ligeiramente os olhos mas não consegui evitar um sorriso quando ela voltou para trás para olhar para a miúda nova. - Desculpa? - perguntou como se não tivesse ouvido. Ri-me indo na direcção de Carly e coloquei-lhe as mãos nos ombro para a fazer afastar-se ou ainda havia cabelos arrancados.
-Eu acompanho-te - disse-lhe subindo as escadas atrás de si mal a percebi que ia fazer o que eu lhe tinha mandado.

- Viste bem o que é que fizeste? - guinchei para Daphne depois de ouvir a outra rapariga e continuei a andar muito direita e depressa, enquanto rezava mentalmente para que ela não viesse atrás de mim nem nada do género. 
- E tu viste como é que ela te falou? - ela resmungou.- fiz-te um favor, não reclames.- quase que a podia ver de braços cruzados a olhar para mim. Abanei a cabeça com um suspiro e assim que ouvi passos atrás de mim, olhei de repente para trás, acalmando-me logo de seguida quando vi que era apenas o rapaz.
- Corro perigo de vida? - perguntei baixinho.

Arregalei os olhos quando ela guinchou alguma coisa que eu não percebi e fiz uma careta, afinal não era só o sono ou a fome, ela era mesmo maluca. Podia ser que assim tivesse as coisas a seu favor e Lynn não a deixasse ficar. Levantei as sobrancelhas com a sua pergunta e abanei a cabeça. - Não, a Carly não faz mal a uma mosca. é só garganta. - abri-lhe a porta do quarto de hospedes para que ela entrasse.

Havia uma grande confusão na cozinha, todos faziam barulho um para cada lado, mas era sempre assim, em breve ela se habituaria. - Somos seis. Sete contigo - olhei-a - Ontem conheceste a Carly, eu e há David - apontei para um rapaz mais ou menos da minha altura extremamente moreno mas com os olhos azuis enormes - A Turi, o Hugh e a Carter - fui apontando para as pessoas - esta e a...

Desci as escadas atrás de si até à cozinha e mal lá chegámos, não consegui não arregalar os olhos perante aquela confusão toda. Falavam todos por cima uns dos outros, estava uma enorme barulheira naquela divisão. Encolhi-me ligeiramente quando todo os olhares vieram de encontro a mim e olhei-os ainda meio escondida no meu capuz.
- Uhh, o moreninho também não é nada de se deitar fora.- e lá estava ela mais uma vez, quando a questão envolvia rapazes, não existia ninguém que a calasse. Olhei para as pessoas à medida que ele mas apresentava e quando ele me quis apresentar eu olhei-o, lembrando-me de que ainda não lhe tinha dito como me chamava. Tinha de inventar um nome, não podia ser descoberta.- Brenda.- até que soava bem.- eu sou a Brenda.

-Brenda - murmurei com um encolher de ombros e fui para o meu lugar apontando para um lugar que estava ao lado do meu - anda, podes comer o que quiseres - comecei a servir-me e olhei para todos, que se tinham calado de repente. - O que foi? - perguntei meio irritadiço.
-Porque é que estás a ajuda-la? - perguntou-me Turi. Ela não se referia a Brenda mas sim a Lynn.
-Não estou a ajuda-la, estou a ajuda-la - apontei para ela começando a servir o seu prato.

Fiquei meio estática a olhar para todos eles e só despertei assim que ele me fez sinal para que me sentasse ao seu lado. Assenti, aproximando-me devagarinho e assim o fiz, só reparando depois no silêncio que se tinha instalado ali. Era muito mais pacífico assim, mas a verdade é que suspeitava que se passava algo. Fiquei a olhar para o meu prato, brincando com as pontinhas da toalha e só levantei o olhar assim que os ouvi falar de novo. A princípio pensei que estavam a falar de mim, mas logo percebi que não.
- Diz alguma coisa Rachel, precisas de arranjar amigas.- Daph falou.- e eu estou mortinha por vestir uma roupa como a que aquela rapariga tem.- apontou para a que tinha acabado de falar. Suspirei. Aquilo era sem dúvida o meu pior pesadelo, eu não queria vestir aquilo, nem sequer queria estar ali. Quanto mais arranjar amigas.

Ela suspirou e continuou a comer assim como eu que comecei a fazê-lo.
-Então... coisa. De onde é que vieste? - perguntou Carly para tentar ser simpática. Era sempre dificil ser simpático, não porque não gostassemos da pessoa, mas porque não queriamos que mais uma estívesse naquelas condições.

Levei um bocadinho de comida à boca demorando anos a mastigá-la, por causa da falta de apetite que tinha e só levantei o olhar do meu prato quando percebi que a rapariga estava a falar comigo. Olhei-a, fazendo uma pequena careta e só falei depois de finalmente engolir o que tinha na boca.
- É Brenda.- murmurei, por causa da forma como me tinha tratado. Ainda pensei em inventar um país diferente, mas eles não me conheciam de certeza, por isso não havia problema.- Austrália.- disse baixinho e voltei a baixar o olhar para o meu prato, levando mais um bocadinho de pão à boca.

-Isso - disse Carly com um encolher de ombros. Olhei Brenda enquanto comia e coloquei-lhe sumo no copo com um meio sorriso.
-Vieste de longe - comentei.
-Sempre quis ir à Autrália - Turi suspirou com um ar sonhador.

- Já viste como ele é querido? - perguntou Daphne toda derretida.- é oficial, eu estou apaixonada por ele.- fiz uma pequena careta, olhando para o meu copo cheio de sumo e depois olhei para ele, agradecendo baixinho. Suspirei por ainda me faltar metade da sandes e acabei por me encostar ao banco, fazendo uma pausa. Ia comer tudo, nunca se sabia quando é que ia poder voltar a comer, por isso, era melhor não desperdiçar nada. Levantei o olhar, vendo-os ainda a falar comigo e desviei-o na direcção de uma das raparigas. Tori..não, Turi, sim, acho que era isso.
- É bonito, devias ir.- murmurei, enquanto bebericava do meu sumo.- já deves ter ouvido falar dos cangurus.- encolhi os ombros. Eu nem sequer sabia porque é que tinha dito aquilo, mas era melhor eu socializar um pouco, não queria que eles me achassem mal educada, ou estranha. Apesar de achar que isso já acontecia.

Turi sorriu-lhe tristemente quando disse que ela devia ir. -Se conseguisse sair daqui ia - olhou-a. - Ia à Grécia ver os deuses gregos como o Henry - olhou-me com um sorriso - e ia à Austrália saltar com os cangurus.-  Ri-me do que ela do que ela disse levando a massa à boca. - Mas não posso - encolheu os ombros.
-Foge - opinou Carly.

Eu não consegui mesmo comer mais. Ou a comida me ia ficar atravessada na garganta ou eu ia mesmo acabar por vomitá-la toda. Estava com em nó enorme no estômago. Eu só me queria ir embora. Eles eram simpáticos, mas eu não queria mesmo estar ali. Levantei o olhar para Turi, ouvindo-a lamentar-se e quando falou em Henry, Daphne começou logo a resmungar baixinho.
- É possível que todas se façam a ele? - resmungou.- começo a não gostar mesmo nada disto.- sorri levemente, abanando a cabeça e depois olhei-a, fazendo uma pequena careta.
- É melhor não tentares fugir.- murmurei.- falo por experiência própria, tentei fugir ontem e não deu resultado.- encolhi os ombros.- ela vai apanhar-te.- olhei para Henry, abanando a cabeça.- disseram-me que se entras aqui, não consegues mais sair.

Turi assentiu com a cabeça - eu sei - disse - acho que já toda a gente aqui tentou fugir - sorriu levemente - infelizmente, ou rendeste-me, ou acabas mal.
-Podemos parar de falar de deprimencias? - perguntei com um revirar de olhos. Hugh e Carter eram as pessoas que se mantinham caladas ali. Hugh porque era gay e nao se interessava por ninguém sem ser por mim. Não que fosse, só era simpático para ele. Eu dava para tudo menos para gay.
-Não temos mais nada para falar - disse Carly.

Senti-me arrepiar só de me lembrar da cara com que aquela mulher me tinha olhado mal me apanhara a tentar fugir e acabei mesmo por fazer uma careta ao imaginá-la a olhar assim para todos eles. Cada vez gostava menos dela. Para que é que ela queria que nós estivéssemos com pessoas que nem sequer conhecíamos? O que é que ela ganhava com isso.
- Dinheiro Rachel, ela ganha dinheiro.- Daph disse, como se eu fosse ignorante. Sim, eu sabia que ela ganhava dinheiro, mas estava a sujeitar o corpo de outras pessoas para isso.
- Vocês estão aqui há muito tempo? - acabei por perguntar, olhando-os.

Turi levantou de novo o olhar para Rachel - os mais velhos já se foram, uns fugiram e conseguires outros... - ela encolheu os ombros e olhou-me, fazendo-me perder o apetite por completo. - Eu estou aqui há sete meses.
-Eu estou há dois - levantei o olhar para Rachel e levantei-me - com lincença. - murmurei ao sair da mesa.

Fiz uma pequena careta com o que ela disse e por momentos, tive inveja daqueles que tinham conseguido o que eu não tinha, fugir. Pelas caras de todos, percebi que não devia ter feito aquela pergunta.
- Desculpem, eu não devia ter perguntado.- disse baixinho e virei a cara para Henry assim que o ouvi falar. Juntei as sobrancelhas, vendo-o ir-se embora e depois voltei a olhar para eles.- eu..eu também já venho.- murmurei e levantei-me, indo atrás dele.- ficaste chateado?- enfiei as mãos nos bolsos.- não foi por mal.

Levei-a até à cozinha, onde já não estava ninguém e comecei a fazer as nossas sandes num instante, ainda tinha que me ir vestir, ou melhor, despir por isso tinha que me despachar, porque mesmo eu ajudando-a ela ia ter que se vestir. Dei-lhe a sandes e tentei comer a minha de modo a não ficar pior do que já estava.